A hipervalorização das chamadas do Cartola F.C nas narrações da Rede Globo mostram que isso não é mais tendência, mas já realidade no mercado brasileiro também. O que seriam os Fanalytics?
A cultura do esporte norte-americano diagnosticou um comportamento do consumidor e vem explorando-o fortemente que é o Entretenimento das Estatísticas. Só no Canadá e Estados Unidos, a indústria já conta com mais de 60 milhões de praticantes, apenas da vertente mais conhecida, os fantasy games. Destes, o gasto médio anual na prática destas atividades é de USD 650 por pessoa. Fruto da inserção no mercado de uma geração forjada mais perto dos videogames do que da TV, o domínio de elementos estatísticos ampliou a duração dos jogos eletrônicos desde os anos 90 e, consequentemente, a retenção do consumidor dentro desta por mais. Esta é uma característica que independe do gênero do jogo envolvido. E assim como aconteceu nos games, a capacidade de multiplicação de narrativas e aumento de retenção fazem dela uma variável indispensável no planejamento das transmissões esportivas dos últimos 6 anos.
Um relatório de mercado do grupo de mídia inglês, Copa90, nomeava essa geração como os “Fanalytics”, um neologismo para indicar os fãs de análises. A trilha aberta por este universo na cultura pop é visivelmente bem sucedida e encontrou campo fértil pra se desenvolver como narrativa de segunda tela de uma serie de eventos públicos, sobretudo os esportivos. O fantasy game da NFL ja é um braço fundamental da expansão de territórios da liga de futebol americano e responsável por redefinir o calendário de eventos e conteúdos que os times e jogadores geram. O Brasil, por exemplo, tem uma das maiores presenças de jogadores no Fantasy game de um esporte que ainda luta para deixar de ser amador no país.
Na TV aberta, vimos a Globo iniciar uma aproximação lenta com o segmento através do Cartola F.C, produto que foi ganhando musculatura e relevância na construção do ambiente de remuneração financeira no modelo da emissora carioca. Nos últimos tempos, o Cartola vem ganhando protagonismo narrativo dentro das transmissões dos jogos, com os narradores destacando quantos pontos um jogador fez ou perdeu como consequência de determinada ação praticada durante a partida. Acompanhando as disputas pelas redes sociais já é fácil detectar pessoas presas a acompanhá-las muito mais preocupadas em saber se vai ter um cartão vermelho ou a quantidade de faltas cometidas por determinado atleta do que propriamente no resultado da peleja. E é nessa abertura de novas possibilidades de narrativas criadas pelos interesses de cada consumidor que está a beleza e o dinheiro escondido neste game.
Novos produtos vão surgindo nesta esteira, que ainda precisa ser melhor entendida editorialmente e comercialmente por todos os agentes envolvidos. Durante a transmissão da segunda rodada do Campeonato Brasileiro, o famoso “Show do Intervalo” foi fortemente ocupado pela discussão sobre o Cartola, envolvendo inclusive o repórter Felipe Diniz, que, a fim de chamar os resultados dos jogos das 19h45, montava o próprio time no Fantasy game apenas com atletas das partidas iniciadas naquele horário que os melhores momentos apresentariam. Esta é uma visível consequência de encontrar narrativas gamificadas dentro de uma estrutura de transmissão ainda linear, dirigida pelo jornalismo, onde o entretenimento é acessório e não a linha mestra do conteúdo. Isso tende a ser alterado cada vez mais.
Outra atividade que se beneficia, e muito, do Entretenimento das Estatísticas são as apostas esportivas, em vias de serem regulamentadas no Brasil. A integração delas com os players de broadcast, em relações de parceria ou patrocínio, vão multiplicar as possibilidades de narrativas para retenção da audiência durante um jogo e mudar as relações do broadcaster tanto com o evento, quanto com a geração de novos diretos de exploração ainda não detectados ou valorizados.
Sempre cito o caso de um grande amigo que tentava convencer a namorada a assistir ao Superbowl com ele, sem reclamar e, de preferência, interessada. Ela argumentava que não entendia aquele jogo, que era muito chato e não teria condição de ficar horas naquele programa. Ele, persistente, horas antes do jogo, convidou-a para fazer uma série de pequenas apostas de R$ 5 em um site, tentando prever a quantidade de vezes fatos como “quantos tweets o Trump postaria durante a partida”, ou se “a cantora do hino estará usando luvas? Se sim, de que cor?”, ou ainda “qual seria a primeira música do show do intervalo”… Em meio a tantas micronarrativas, a menina ficou ligada o jogo inteiro e encontrou uma experiência particular e paralela durante todo aquele super evento.
Não é difícil prever que em poucos anos vai ser possível a um torcedor comum ter acesso em tempo real a, por exemplo, vídeos e reports sobre o desempenho de determinado atleta, para sofisticar o próprio conhecimento, influenciado uma atividade de apostas comportamentais durante a partida. Também é fácil visualizar que durante um jogo, o consumidor terá a opção de assisti-lo com uma narração focada na avaliação estatística do jogo, em vez de escutar um determinado narrador, que não seja do seu agrado, descrevendo as emoções do que se passa em campo.
Ainda há uma infinidade de narrativas para serem criadas dentro do esporte e, pra cada uma delas, a possibilidade de novas formas de exploração e de novas fontes de receita. Esta aí é só uma de muitas oportunidades para quem quer pensar novos negócios relacionados ao esporte. Os próximos anos vão ver as estatísticas ocupando cada vez mais tempo do consumo de informação dos principais veículos, atraindo mais pessoas para o esporte, retendo audiência nas transmissões e fazendo apostas ao redor disso. Em outro artigo, eu abordo o tema do Big Data no futebol.
Isso tudo ainda é só o começo da grande transformação que temos pela frente. O esporte não será mais o mesmo. Os números não costumam mentir.
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A inovação vai ser a mãe de todas as transformações e este livro vai te mostrar quais os caminhos que estão vindo e os que já estão em curso: “Inovação é o Novo Marketing – Insights de negócios para o futebol Pós-Covid-19”.
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