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Haverá eleição em 11 dos 20 clubes da Série A nos próximos meses. Promessa de novos tempos, novos ares. Isso também não necessariamente é bom. Em tempo de queimadas no Pantanal e na Amazônia, uma pergunta específica pode te ajudar a avaliar o que o seu candidato pode fazer ou não pelo seu clube. Ou ainda, se ele tem cheiro de furada: que tipo de receita ou garantia financeira você pretende usar para alavancar seus planos de crescimento?

Até o início da quarentena, se criticava demais o futebol brasileiro por ser extremamente dependente das receitas de TV. Isso valia, sobretudo, para os clubes que tem nesta linha a maior parte da sua fonte de dinheiro para viabilizar suas estruturas e, especialmente, seus times profissionais de futebol masculino. Daí, veio a quarentena e o que futebol fez? Deu um tiro na única fonte de receita fixa na qual estava baseada, não só seu fluxo de caixa, como também as garantias de adiantamentos de receitas no curto prazo e, por consequência, as renegociações de dívidas, que liberam os clubes das penhoras e permitem ter alguma capacidade de giro.

Meses depois de assinada a MP 984, que ficou conhecida como “Lei do Mandante” por consagrar que os direitos comerciais de imagem de uma partida pertencem ao clube com mando de campo naquele evento, caminhamos para vê-la caducar se o Congresso não colocá-la em discussão – como parece que será feito -, sob um único efeito prático imediato: conseguimos desvalorizar o papel mais valioso da mesa do curto prazo do nosso futebol. Aquele em que todos se fiam. 

Os contratos com a Globo eram tidos como papéis de qualidade, de alta confiança. O credor emprestava dinheiro pois acreditava que receberia, dada a longa e estável relação da emissora com os eventos esportivos. Temos visto a Globo mergulhar numa redução de investimentos, fruto de uma nova estruturação de negócio, mas também da queda de receitas naturais causadas pelos efeitos econômicos da pandemia, pela redução de assinantes na TV a cabo nos últimos 5 anos, pela diminuição das audiências de TV aberta, e agora, como se não bastasse, pela desvalorização do seu principal ativo econômico, o futebol. Lembrem que neste meio tempo, a emissora rescindiu o contrato do Campeonato Carioca, o da Libertadores e entrou na justiça para não pagar as parcelas referentes à transmissão da Copa do Mundo de 2022. E ainda abriu mão da Fórmula-1. 

O mercado vê a Globo abandonar contratos que eram fiadores de muitas dívidas do futebol brasileiro, e vê também a própria receita gerada diminuir por conta das suas confusões. O Premiere, que era uma promessa de aumento de receitas para muitos clubes este ano, pois começará a pagar mais proporcionalmente ao número de torcedores declarados de cada um, vem sofrendo quedas importantes na sua base de assinantes. Chegou até a suspender pagamentos na falta de jogos – sem deixar de cobrar, é claro. Ou seja, se seu clube têm dívidas, certamente elas estão negociadas em cima de projeções de receitas que não se realizarão mais ou destes papéis que podem simplesmente não ter liquidez em breve. Alguns, por sinal, já não têm. No caso do Campeonato Carioca, Fluminense, Botafogo e Vasco receberam este ano antecipações referentes à rescisão do contrato e estão as utilizando para equacionar as dívidas de agora. E ano que vem, quando não tiverem essas receitas ou sem a previsibilidade delas, como farão? As dívidas foram negociadas considerando esta receita para o cenário 2021.

E aqui, não pergunto apenas pela visão de “como farão para manterem suas folhas”? É como farão para manter as renegociações que já foram feitas baseadas em papéis sem liquidez ou que valerão menos do que costumavam valer? Tem sido moda no Brasil: um dirigente negocia a renovação futura com a Globo, antecipa a receita para o presente, e o próximo fará a mesma coisa, antecipando a seguinte. Só que talvez não tenha mais “a seguinte”. Os novos presidentes que estejam pensando em repetir essa estratégia gasta, ainda que com outro verniz de arranjo – para alguns, a criação de FIDCs (fundos de investimento em direitos creditórios), por exemplo, é um fetiche baseado na mesma ideia de que vai se oferecer os direitos de transmissão e alguém vai querer trocar dinheiro por isso -, precisam repensar urgentemente suas estratégias financeiras. Estes papéis terão se desvalorizado, ou diminuirão seus valores de face ou mesmo alguns sumirão. Além disso, para os contratos vigentes que seguirem de pé, não só faltará um ano a menos para se oferecer no mercado, como não tem se visto a movimentação tradicional da emissora de fazer contratos com grande antecedência, bloqueando datas futuras. Não há clima. Ninguém sabe se a Globo se interessará por novos contratos para o Campeonato Brasileiro pós-2023 e não tem ninguém no mercado se apresentando para ocupar este lugar, nos mesmos padrões de investimento, ao fim de uma grande recessão como a que vivemos.

O repertório tradicional dos dirigentes morreu. Não se tem receitas para se colocar no lugar das que foram comprometidas. O prazo está diminuindo e o principal investidor está tirando o time de campo. O valor do produto está sendo alocado lá pra baixo. A inovação é um poço de petróleo de novas receitas nos quintais dos clubes, mas que a extração ainda não começou, que dirá o refino e a comercialização. Ainda que seja cada vez mais urgente, ela levará tempo e não pode ser vista como substitutiva do que existia. Se você perguntar para o seu candidato, que tipo de garantia ele pensa em usar na sua estratégia financeira, e ele falar em receita de TV, abra seu olho! E, em seguida, questione a ele: “Qual receita de TV?”. Se ele ainda tiver coragem de chutar uma resposta (que será imprecisa, por suposto), vá além. Pergunte a ele: “E Quanto vale esse papel? Qual o deságio dele com essa perda de confiança? E se não houver antecipação de contratos de TV até 2023, como será o seu mandato?” 

Os sinais estão aí. Uma matéria de Ricardo Magatti, no Estado de São Paulo, de 24 de setembro (“Serviços de pay-per-view de futebol podem custar até R$ 2,5 mil por ano ao torcedor”), já mostrava um pouco do que virá: menos futebol a um preço caro. O produto está sendo reavaliado por baixo, mas muito abaixo do que se pagava até aqui. Anuncia-se um período em que vai faltar dinheiro para presente e para o passado. O novo ar será pesado. Dívidas que estavam equacionadas vão voltar. Trabalhos iniciados vão regredir. O pior ainda está por vir e os próximos dois anos tendem a ser muito difíceis para qualquer um que assuma um clube grande. Quem vai pagar essa conta? De certo, o torcedor. E provavelmente não será suficiente. Só não vale depois se dizer surpreendido

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